6 Domingo do tempo Comum

Vivemos numa  sociedade que está “on line”, permanentemente ligada ao que se passa agora, instantânea, e por isso onde não há preocupação com o futuro.

Por isso já não tem, aparentemente, sentido falar do céu e do inferno. As pessoas já não acreditam nisso porque deixaram de acreditar no futuro. Que se  apresenta frequentemente com cores tão carregadas que é melhor fechar os olhos para não o ver: como uma criança que durante o sono fecha os olhos para escapar dos pesadelos.

Mas aquilo que nos espera é um pesadelo, ou é um daqueles sonhos que nos fazem ganhar o dia? Que nos fazem acreditar que a vida é mais do que a mesquinhez com que nos deparamos diariamente no nosso mundo.

É desse assunto que nos falam as leituras deste domingo:

Quem tem fé também acredita que a vida é mais do que aquilo que vemos, e dessa forma vive como uma árvore plantada à beira de um ribeiro. Vemos que cresce forte e saudável porque as suas raízes alimentam-se do ribeiro. Não as vemos mas sabemos que elas estão lá. Mas também no deserto florescem belas plantas; estas não desistem, mas têm umas raízes enormes que lhe permitem recolher a menor partícula de humidade para crescerem. Assim também na vida dos homens, quanto maiores são as dificuldades maior é a coragem para as vencer.

Esta coragem de viver tem a sua razão no valor que a Vida tem, não apenas a vida humana, como a conhecemos, mas também a vida sobrenatural que permanece para além do tempo porque se “é só para a vida presente que temos posta em Cristo a nossa esperança, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens”. Porque ele morreu absolutamente derrotado.

A certeza da ressurreição garante-nos que Deus tem um projecto de salvação e de vida para cada homem; e que esse projecto está a realizar-se continuamente em nós, até à sua concretização plena, quando nos encontrarmos definitivamente com Deus: só em Deus encontramos o rochedo seguro que não falha e que não nos decepciona.

É disso que muitas vezes somos acusados, nós os cristãos: de não vivermos o momento presente, de viver numa dor estúpida à espera de uma riqueza futura, como que uma vingança pelo prazer que os outros tiveram e que nós não conseguimos ter.

Ainda por cima Jesus diz no Evangelho: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque é vosso o reino de Deus”. O anúncio libertador que Jesus traz é, portanto, uma Boa Nova que enche de alegria os corações amargurados, os marginalizados, os oprimidos. Com o “Reino” que Jesus propõe aos homens, anuncia-se um mundo novo, um mundo de irmãos, de onde a prepotência, o egoísmo, a exploração e a miséria serão definitivamente banidos e onde os pobres e marginalizados terão lugar como filhos iguais e amados de Deus.

Porque a vida não é um momento, nem uma colecção de momentos, é uma unidade em permanente construção, um ribeiro cuja água sempre a correr é a mesma mas é sempre nova, diferente. Se a água não correr deixa de ser ribeiro, passa a ser um charco, um pântano.

Domingo do Tempo Comum 5

“Quem hei-de enviar? Quem irá em vez de nós?”

Hoje Deus continua a perguntar a cada homem quem pode ir por esse mundo fora e ser a boca de Deus para anunciar a sua bondade.

Deus continua a chamar os homens para anunciarem a Sua Palavra, para serem pescadores de homens, como disse Jesus a Pedro, apesar de ele antes lhe ter dito: “Senhor, afasta-te de mim, que eu sou um homem pecador.”

Porque Pedro reconheceu que ele não merecia a tenção que Jesus teve para com eles, ao encher-lhes as redes, vazias depois de uma noite no lago em que não conseguiram apanhar um único peixe. Mas confiaram em Jesus que depois da sua pregação em cima da barca de Pedro lhes mandou que avançassem para o meio do lago e lançassem de novo as redes.

Ainda hoje Jesus continua a fazer este apelo: para não desistirmos de trabalhar pelo seu Reino, por mais árida que seja a tarefa, por mais infrutífera que seja a labuta. Ser cristão é estar no mesmo barco que Jesus, e escutar a sua voz que nos comanda a ser pescadores de homens, continuando assim a obra libertadora de Jesus em favor do homem. Porque a conversão dos homens não se faz pelos nossos lindos olhos mas sim pela graça de Deus. 

Como diz S. Paulo que lembra aos cristãos de Corinto (uma das cidades mais desenvolvidas e cosmopolitas da época, com tudo o que isso tem de bom e de mau) a Boa Nova que ele lhes tinha anunciado. Mas no fim acrescenta que não foi ele o autor do trabalho. Ele nunca desistiu da anúncio do mistério cristão. Mas quem opera verdadeiramente no coração dos homens é a graça de Deus.

Todos somos chamados a ser mensageiros de Deus, uns de uma forma mais empenhada, outros de uma forma mais comum. Mas é preciso que os cristãos de hoje tenham a coragem de aceitar o desafio de Deus para lançarem as redes num mar onde não pescam nada, porque é o próprio Jesus que faz com que os peixes se sintam atraídos por redes mais libertadoras que certas asas.

Quanto mais acreditarmos que é ele que atrai as pessoas, mais capazes somos de as ajudar a descobrir a essência do Evangelho: Deus fez-se homem que morreu e ressuscitou para encontrarmos a vida plena e verdadeira.

A encarnação, morte e ressurreição de Cristo é um facto real, mas ao mesmo tempo sobrenatural e meta-histórico, algo que ultrapassa completamente as categorias humanas de espaço e de tempo, a fim de entrar na órbita da fé. É algo que a ciência histórica não pode demonstrar, porque corresponde a uma experiência de fé.

O que, historicamente, podemos comprovar, é a incrível transformação dos discípulos que, de homens cheios de medo, de frustração e de cobardia, se converteram em arautos destemidos de Jesus, morto e ressuscitado.

Apresentação do Senhor

A Apresentação no Templo, Alvaro Pires d'Évora, 1430. (Metropolitan Museum of Art)

Malaquias “apresenta” o Senhor que vem para purificar o seu Povo e inaugurar um tempo novo, o tempo da nova Aliança. Esta “vinda” mostra que Deus não se conforma com a apatia, o imobilismo, o comodismo, a instalação, o derrotismo que nos impedem de avançar em direção à vida plena; mostra como Deus nunca desiste de nos desafiar à conversão, à renovação, à construção de uma vida mais feliz e realizada.

Lucas diz-nos que chegou o tempo da concretização dessa profecia. Mas, contra todas expectativas, Deus apresenta-se na figura de um bebé nascido há poucos dias, débil e indefeso, apresentado nos braços da sua mãe.

Aquela família pobre da Galileia que vem a Jerusalém para cumprir a Lei do Senhor, no que dizia respeito ao resgate dos primogénitos que pertenciam ao Senhor, encontra no Templo um homem chamado Simeão que é, nesta perspectiva de Lucas, a figura do Israel que esperava ansiosamente o cumprimento das promessas de Deus.

Simeão viu naquele menino a concretização das promessas de Deus. Tomou o menino nos braços – como se estivesse a apresentá-lo a Israel e ao mundo – e declara solenemente que a fase da espera terminou e que o Messias de Deus chegou. Esse Messias vem como “salvação de Deus”, isto é, traz consigo os bens que Deus quer oferecer aos seus filhos para que eles tenham vida em abundância. A salvação que o Messias traz brilhará como “luz”, não apenas para Israel, mas para todos os povos.

Simeão está absolutamente seguro de que essa luz chegou finalmente, na figura daquele menino. Lucas refere, ainda, um tema que lhe é muito caro: o da universalidade da salvação de Deus. Deus não tem já um Povo eleito, mas a sua salvação é para todos os povos, independentemente da sua raça, da sua cultura, das suas fronteiras, das suas representações religiosas.

Simeão e Ana, cada um à sua maneira, reconhecem no menino que se apresenta no Templo, o cumprimento das promessas de Deus. Vêm nesse menino uma luz que se acende na noite do mundo e que ilumina o caminho e a vida dos homens. Acolhem esse menino como “a salvação” prometida por Deus e longamente esperada pelo Israel fiel. Acreditam que essa salvação ultrapassará as fronteiras estreitas de Israel e será oferecida a todos os homens e mulheres, de todas as raças.

Como estes dois anciãos vivamos de olhos postos no presente, preocupados em ver como no “hoje” da história dos homens Deus concretiza as suas promessas de salvação; e aprendamos a proclamar esta boa notícia com alegria e entusiasmo. Vivamos de olhos postos no futuro, de espírito aberto e livre, pondo a nossa sabedoria e experiência ao serviço da comunidade humana e cristã, ensinando os que estão próximo de nós a distinguir entre o que é eterno e importante e o que é passageiro e acessório.